Uva sem agrotóxicos? Temos
Em São Marcos, um pequeno, mas apaixonado, punhado de produtores se dedica à uva orgânica. Faz 12 anos que o casal Carla e Vanderlei Suliani começou a perseguir o sonho de produzir uva livre de agrotóxicos A produção de uva orgânica ainda é incipiente na Serra Gaúcha, maior polo vitivinícola do Brasil.

Em São Marcos, um pequeno, mas apaixonado, punhado de produtores se dedica à uva orgânica. Faz 12 anos que o casal Carla e Vanderlei Suliani começou a perseguir o sonho de produzir uva livre de agrotóxicos
A produção de uva orgânica ainda é incipiente na Serra Gaúcha, maior polo vitivinícola do Brasil. Estima-se que apenas 2% da produção seja livre de agrotóxicos. O quadro é similar no restante do Brasil e no mundo. Na Itália, maior produtor mundial de uvas, a fruta orgânica representa em torno de 6% da produção total.
O cenário, porém, é promissor. O mercado, leia-se consumidor, mostra interesse crescente em alimentos sem veneno. A uva também está na mira desse consumidor mais exigente. E o produtor, atento aos movimentos do mercado, começa a focar no cultivo ecológico.
Em São Marcos, um pequeno, mas apaixonado, punhado de produtores se dedica à uva orgânica. Faz 12 anos que o casal Carla e Vanderlei Suliani começou a perseguir o sonho de produzir uva livre de agrotóxicos.
O sonho virou realidade um par de anos atrás.
A Suliani Alimentos Orgânicos fica em Linha Santana. Também produz outros itens limpos, como chuchu, laranja umbigo, batata doce, noz-pecã, abobrinha italiana. O foco, contudo, é a uva niágara rosada de mesa, com 1 hectare de parreira.
“A niágara rosada é uma das mais consumidas no Brasil, é apropriada para a agroecologia, é menos problemática”, lista Carla ao explicar o opção por essa variedade.

Certificado
Os Suliani possuem certificação orgânica, selo difícil de ser conquistado por causa das exigências legais, mas que faz toda a diferença. A niágara de mesa colhida em Santana alcança R$ 5,00 ao quilo. A uva convencional, destinada às cantinas, está cotada a R$ 1,58, mas a indústria de vinho e suco está oferecendo apenas R$ 1,40.
A diferença de preço entre a uva orgânica e a convencional é gigantesca, mas a produtividade entre as culturas é semelhante. Os Suliani colhem cerca de 25 toneladas no hectare da propriedade. A uva com agrotóxicos possui produtividade semelhante, 25 toneladas por hectare.
A niágara dos Suliani é integralmente vendida in natura. Os cachos são embalados em caixas de 8 quilos e enviados para Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Minas Gerais. O transporte fica a cargo da Rede Ecovida de Agroecologia, a mesma instituição que concedeu o certificado orgânico aos produtores de Santana.
Visita-surpresa
A opção pela uva livre de agrotóxicos proporciona experiências insuspeitas. Carla relata, emocionada, um episódio recente que reforça o acerto pela agroecologia. Dias atrás, ela e o marido receberam a visita-surpresa de um casal paulista que veio a Gramado. O casal, consumidor da niágara de mesa em São Paulo, fez questão de dedicar um tempinho das férias para visitar a propriedade dos Suliani em Santana e conhecer de perto as parreiras da uva que consomem em SP.
“O cliente reconhece a qualidade da nossa uva. O cliente diz: `A uva niágara dos Suliani!”’

Assistência, orientação e conhecimentos
As vantagens econômicas da uva orgânica saltam aos olhos: além da valorização no preço e na boa produtividade, a lavoura agroecológica é menos cara e trabalhosa porque não requer as repetidas aplicações de químicos para controlar pragas, corrigir solo, roçadas frequentes etc.
Segundo e engenheiro agrônomo e extensionista rural da Emater São Marcos, Rudinei Girardello, a bordô e isabel, variedades mais cultivadas na cidade, recebem entre cinco, 15 até 20 aplicações de defensivos ao ano.
Conforme ele, na lavoura convencional a aplicação de herbicidas, fungicidas e inseticidas químicos (não-biológicos) varia de ano para ano, de propriedade para propriedade, de região para região, de clima para clima.
“A função da Emater é proporcionar assistência técnica ao produtor, mas tem que usar os defensivos de forma racional, sempre seguindo a bula, respeitando as informações do fabricante do produto”, orienta Rudinei, acrescentando:
“Se o produtor costuma fazer cinco aplicações, ele deve tentar reduzir para três aplicações, pois vai gastar menos dinheiro”.
Atualizações
Presidente do Sindicato de Trabalhadores Agricultores Familiares de São Marcos, Sandra Meneguzzo conta estar sendo bastante procurada por produtores interessados em adotar o cultivo orgânico.
“A uva orgânica é muito, muito procurada pelo consumidor. E para o produtor, é mais valorizada. Temos poucos produtores orgânicos na cidade, mas está crescendo, tem muito potencial ainda”, afirma Sandra.
O papel do sindicato é auxiliar o produtor com a documentação, com a parte técnica da certificação e outros encaminhamentos. Sandra alerta, contudo, ser muito difícil converter uma parreira convencional em parreira agroecológica.
A produção orgânica requer atenções desde o plantio das videiras, tratamento correto de solo, entre outros diversos cuidados.
“A pessoa que dedica seu tempo para orgânicos precisa estar sempre se atualizando”, ensina Sandra.
Os Suliani sabem bem o valor do que Sandra diz: graduada em Administração, com especialização em Agricultura, Ciência e Tecnologia, agora Carla cursa mestrado em Viticultura e Enologia no Instituto Federal do Rio Grande do Sul, Campus de Bento Gonçalves.
“Aprender e aplicar o conhecimento é muito bom”, atesta.

Carência de orientação
“Tem que ter muito conhecimento, os produtores não têm noção da importância do conhecimento”, avalia o engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa Uva e Vinho de Bento, George Wellington. Mestre e doutor em Ciências do Solo, Wellington dedica seu foco há cerca de 20 anos à viticultura agroecológica.
Essa experiência permite que o especialista aponte problemas e soluções. Segundo ele, as cantinas querem qualidade e sanidade da uva, mas não estão dispostas a pagar um preço justo. Wellington também lamenta que o produtor não recebe assistência técnica adequada.
“O interesse e a preocupação existem, mas falta o especialista para orientar o produtor sobre a redução de agrotóxicos, por exemplo. O produtor não tem assistência técnica efetiva para implantar uvas orgânicas. Existem regras, normas para o cultivo orgânico. A tradição é plantar a parreira de forma convencional, isso é cultural. Na agroecologia é tudo diferente”, afirma.