“O mal que está no apito”
Acompanhe o artigo de opinião do ex-árbitro são-marquense, Eder Zanella O Rio Grande do Sul sempre foi considerado um grande celeiro esportivo, dentro de campo e fora dele. Falo especificamente do futebol, mas claro, entre os demais esportes temos figuras únicas e exemplo de grande importância.

Acompanhe o artigo de opinião do ex-árbitro são-marquense, Eder Zanella
O Rio Grande do Sul sempre foi considerado um grande celeiro esportivo, dentro de campo e fora dele. Falo especificamente do futebol, mas claro, entre os demais esportes temos figuras únicas e exemplo de grande importância. Falcão, Mauro Galvão, Everaldo Geromel, Dalessandro, Douglas…cada um marcou nos times maiores do RS e tivemos também muitos outros nos times do interior.
Na arbitragem é assim também. Fomos expoentes em vários momentos de árbitros que representaram muito bem a nossa terra. Podemos citar os mais recentes, que nos encheram de orgulho ao nos representar em Copas do Mundo e ter um desempenho espetacular, como Renato Marsiglia e Carlos Eugênio Simon (ambos comentaristas de TV atualmente) e que também marcaram positivamente suas carreiras comandando inúmeras finais de campeonatos pelo Brasil. Tivemos Leonardo Gaciba, que precocemente encerrou a carreira devido a um vício (cigarro) e não conseguia mais passar nos rigorosos testes físicos.
Atualmente o RS conta com vinte e três árbitros considerados de elite. São eles que atuam nas competições do estado, principalmente no Campeonato Gaúcho e Divisão de Acesso. Desse total, temos quatro ou cinco que vivem da arbitragem. Os demais tem empregos comuns, que tem que bater ponto, que tem que dar aula, que tem sua academia, enfim, sua ocupação.
Assim como o nosso futebol, nos últimos anos, pouco talento é formado na base da arbitragem. Muitos jovens ingressam no curso (que é muito exigido e cobrado) pensando que logo estarão trabalhando em jogos com televisão, de grandes públicos ou com grandes jogadores. Mas a realidade é muito mais maçante. Assim como jogadores, temos os árbitros que só querem mídia, os tímidos, os musculosos, os modelinhos, os bad boys… e assim mesmo, o nível, decaiu muito.
Procuram-se em cursos, nem sempre o talento, nem sempre o dom. Procura-se alguém para substituir alguém. O talento é o de menos. Se você for alto, corre bem…pronto, você está dentro. As comissões de arbitragem não conhecem e não querem conhecer a tua história, teu envolvimento com a arbitragem, tua experiência. O árbitro formado, a cada ano vira um novo Frankenstein. Tudo é moldado, tudo é dever, tem que seguir à risca o que as comissões de arbitragem pedem. Não se pode questionar, e se questionar, você é escanteado. Você é pressionado dentro de campo pelos jogadores e banco de reservas das duas equipes. Fora, você é pressionado a sempre estar no seu limite. O teu direito é ouvir, seguir protocolos e fazer o que está no livro de regras. Treinar, treinar e treinar. Estudar, estudar e estudar. E isso que alguns membros das comissões de arbitragem nunca foram árbitros e pior, muitas vezes, foram presidentes de clubes, convidados por presidentes das federações para um cargo com um bom salário.
Estamos numa fase de transição na arbitragem gaúcha. Apesar de muitos jovens estarem trabalhando no Gauchão, um veterano de 48 anos é quem se destaca. Os jovens perderam o brilho de estar dentro de um campo trabalhando. Os poucos que têm esse brilho, muitas vezes são deixados de lado e os que se encaixam no experimento Frankenstein vão para a jornada, robotizados e simplesmente espelham o que é a comissão de arbitragem.
Temos um Gauchão, chegando a sua metade, na fase classificatória e tivemos muitos erros de arbitragem. Errei também, afinal, somos humanos. Mas de umas três rodadas pra cá, comecei a temer pelo pior. Penalidades máximas muito fáceis de marcar não foram assinaladas. Outras, que sequer existiram foram assinaladas. Não se tem mais controle de jogo, controlam a base do cartão, a base do autoritarismo. Perdeu-se o foco, está insegura, parece-me que quem deveria dar respaldo está jogando os seus no balde de óleo quente. O quarteto de arbitragem entra em campo não querendo estar ali. Algo está atrapalhando e dispersando os árbitros e não conseguem se concentrar. Qual a origem desse mal? Jogadores, que muitas vezes não deixam o árbitro trabalhar? A imprensa que não poupa as fragilidades humanas? Os clubes que não se importam com o ser humano que está aí? As casas de apostas que fizeram o esporte virar uma loucura? As comissões de arbitragem que só cobram? O próprio árbitro? Onde estaria o mal do apito?
Enfim, que dias melhores apareçam e rápido!
Eder Zanella – ex-árbitro de futebol e profissional de educação física